ASPECTOS DE SEGURANÇA E COMPLICAÇÕES DA HIPODERMÓCLISE NOS CUIDADOS PALIATIVOS: UMA REVISÃO DE ESCOPO
SAFETY ASPECTS AND COMPLICATIONS OF HYPODERMOCLYSIS IN PALLIATIVE CARE: A SCOPING REVIEW
ASPECTOS DE SEGURIDAD Y COMPLICACIONES DE LA HIPODERMOCLISIS EN CUIDADOS PALIATIVOS: UNA REVISIÓN DEL ALCANCE
https://doi.org/10.31011/reaid-2026-v.100-n.1-art.2560
1Lucileide da Silva Santos
2Marcos Leandro de Matos
3Lara Lucena de Luna
4Vitória de Cássia Félix Rebouças
5Ana Maria Parente Garcia Alencar
6Sandra Barreto Fernandes da Silva
1Graduanda em medicina na Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte-CE, Brasil, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7925-8650
2Graduando em medicina na Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte-CE, Brasil, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3400-5021
3Graduanda em medicina na Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte-CE, Brasil, Orcid: https://orcid.org/0009-0006-0124-6573
4Professora na Universidade Regional do Cariri, Crato-CE, Brasil, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7890-7855
5Professora na Universidade Regional do Cariri, Juazeiro do Norte-CE, Brasil, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0459-4291
6Professora na Universidade Federal do Cariri, Crato-CE, Brasil, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2387-1696
Autor correspondente
Lucileide da Silva Santos
Rua Divino Salvador, 284 - Barbalha-CE - Brasil. CEP: 63180-000 - Telefone: +55(88)988060382 - Universidade Federal do Cariri - E-mail: lucileide.santos@aluno.ufca.edu.br
Submissão: 03-05-2025
Aprovado: 19-11-2025
RESUMO
Introdução: A hipodermóclise é a administração subcutânea de fluidos e medicamentos, sendo reconhecida por sua eficácia e conforto para o paciente. Entretanto, há poucos estudos que abordem a segurança e as potenciais complicações associadas a esse método. Objetivo: Mapear a produção científica sobre os aspectos de segurança e as complicações relacionadas ao uso da hipodermóclise nos Cuidados Paliativos. Método: Trata-se de uma revisão de escopo, elaborada conforme orientações do Instituto Joanna Briggs (JBI), do checklist Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) e do Manual de Diretrizes Metodológicas do Ministério da Saúde, em três bases de dados: MEDLINE via PubMed, LILACS e SciELO, sem restrição de idioma e sem limite de tempo. As buscas foram realizadas em julho de 2024. Resultados: Foram selecionados 33 estudos publicados de 1985 a 2024. Os estudos foram sintetizados em cinco categorias: Principais usos da hipodermóclise e suas limitações; Complicações relatadas na administração da via subcutânea; Sítios de punção e técnicas de administração da hipodermóclise mais associadas a efeitos adversos; Aspectos de segurança da hipodermóclise comparada a outras vias de administração de fluidos e medicamentos e Benefícios da utilização da hipodermóclise nos Cuidados Paliativos. Conclusão: A hipodermóclise é um método eficaz, seguro, com baixo custo e de fácil aplicação, sendo uma alternativa quando a via oral está indisponível nos pacientes. Os resultados evidenciam a relevância da hipodermóclise para a prática clínica em cuidados paliativos e indicam a necessidade de novas pesquisas que aprofundem seu uso seguro e eficaz.
Palavras-chave: Hipodermóclise; Cuidados Paliativos; Segurança; Complicações.
ABSTRACT
Introduction: Hypodermoclysis is the subcutaneous administration of fluids and medications, recognized for its effectiveness and patient comfort. However, few studies address its safety and the potential complications associated with this method. Objective: To map the scientific literature regarding safety aspects and complications related to the use of hypodermoclysis in Palliative Care. Method: This is a scoping review conducted according to the guidelines of the Joanna Briggs Institute (JBI), the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR), and the Methodological Guidelines Manual of the Brazilian Ministry of Health. The search was carried out in three databases MEDLINE via PubMed, LILACS, and SciELO without language restriction or time limit. Searches were performed in July 2024. Results: A total of 33 studies published from 1985 to 2024 were included. The studies were synthesized into five categories: Main uses of hypodermoclysis and its limitations; Reported complications related to subcutaneous administration; Puncture sites and hypodermoclysis administration techniques most associated with adverse effects; Safety aspects of hypodermoclysis compared with other routes for administering fluids and medications; and Benefits of hypodermoclysis in Palliative Care. Conclusion: Hypodermoclysis is an effective, safe, low-cost, and easy-to-apply method, representing an alternative when the oral route is unavailable. The findings highlight the relevance of hypodermoclysis in clinical practice in palliative care and indicate the need for further research to deepen knowledge about its safe and effective use.
Keywords: Hypodermoclysis; Palliative Care; Safety; Complications.
RESUMEN
Introducción: La hipodermoclisis consiste en la administración subcutánea de fluidos y medicamentos, siendo reconocida por su eficacia y por proporcionar mayor comodidad al paciente. Sin embargo, existen pocos estudios que aborden la seguridad y las posibles complicaciones asociadas a este método. Objetivo: Mapear la producción científica sobre los aspectos de seguridad y las complicaciones relacionadas con el uso de la hipodermoclisis en los Cuidados Paliativos. Método: Se trata de una revisión de alcance, elaborada conforme a las orientaciones del Instituto Joanna Briggs (JBI), al checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) y al Manual de Directrices Metodológicas del Ministerio de Salud de Brasil. La búsqueda se realizó en tres bases de datos: MEDLINE vía PubMed, LILACS y SciELO, sin restricción de idioma ni límite temporal. Las búsquedas se efectuaron en julio de 2024. Resultados: Se seleccionaron 33 estudios publicados entre 1985 y 2024. Los estudios fueron sintetizados en cinco categorías: Principales usos de la hipodermoclisis y sus limitaciones; Complicaciones notificadas durante la administración por vía subcutánea; Sitios de punción y técnicas de administración más asociados a efectos adversos; Aspectos de seguridad de la hipodermoclisis en comparación con otras vías de administración de fluidos y medicamentos; y Beneficios de la hipodermoclisis en los Cuidados Paliativos. Conclusión: La hipodermoclisis es un método eficaz, seguro, de bajo costo y de fácil aplicación, constituyendo una alternativa cuando la vía oral no está disponible. Los resultados evidencian la relevancia de la hipodermoclisis para la práctica clínica en cuidados paliativos e indican la necesidad de nuevas investigaciones que profundicen en su uso seguro y eficaz.
Palabras clave: Hipodermoclisis; Cuidados Paliativos; Seguridad; Complicaciones.
INTRODUÇÃO
Os cuidados paliativos consistem em um conjunto de intervenções voltadas para promoção da saúde dos pacientes que enfrentam doenças ameaçadoras à vida e de seus familiares. Essa abordagem é conduzida por uma equipe interdisciplinar dedicada à avaliação e tratamento adequado da dor e de outras condições que afetem a sua qualidade de vida, fornecendo suporte necessário para o alívio do sofrimento físico, espiritual e psicossocial desses indivíduos(1).
Nesse contexto, a hipodermóclise é um procedimento terapêutico importante. É utilizado na administração de líquidos no tecido subcutâneo através de agulhas de pequeno diâmetro. Esse método permite que os fluidos sejam absorvidos pelo tecido subcutâneo e assimilados pela circulação por meio dos processos de difusão e perfusão. Essa técnica é frequentemente utilizada para fornecer hidratação a indivíduos debilitados, especialmente idosos, nos quais o acesso venoso é desafiador(2).
Atualmente, essa técnica vem ganhando visibilidade e seu uso continua a crescer no campo da geriatria e dos cuidados paliativos. Isso porque se mostrou uma via menos invasiva em relação à administração intravenosa, o que reduz os riscos de flebites e infecções, além de ser considerado um método menos doloroso(3). Ademais, é uma técnica relativamente simples, podendo ser administrada em domicílio, mantendo, assim, a continuidade do cuidado em um ambiente familiar, o que é vantajoso para os pacientes, particularmente aqueles em fim de vida(4).
Apesar das vantagens, a quantidade de fluido que pode ser administrada no tecido subcutâneo é menor em comparação com a administração intravenosa, podendo ser insuficiente em casos de reposição rápida de grandes volumes(5). Além disso, alguns medicamentos podem causar reações adversas quando administrados por essa via, e a estabilidade desses fármacos pode ser comprometida(6). Assim, embora a hipodermóclise ofereça várias vantagens, ainda existem preocupações sobre sua segurança e potenciais complicações associadas a esse método.
A ampla busca na literatura nacional e internacional mostrou a inexistência de estudos recentes que analisassem os aspectos de segurança e as complicações relacionadas à hipodermóclise em comparação com outras técnicas de infusão. Os estudos encontrados, embora tenham sido extremamente relevantes para o avanço da questão, estão desatualizados e não incorporam as descobertas mais recentes e as práticas atuais, limitando assim sua aplicabilidade no contexto atual(2,7). Além disso, outros trabalhos, apesar de atualizados, focam em recortes de populações específicas ou em um único tipo de terapia subcutânea, deixando de fornecer uma visão completa sobre o uso da hipodermóclise(8,9).
Dessa forma, esta revisão surge da necessidade de sintetizar o conhecimento presente na literatura, criando uma base de conhecimento organizada e acessível. A realização da revisão poderá servir de subsídio para a identificação de lacunas no conhecimento e a orientação de futuras discussões, facilitando, assim, a compreensão do estado atual da pesquisa sobre segurança e complicações da hipodermóclise nos cuidados paliativos.
Espera-se que os resultados desta revisão contribuam para a compreensão das práticas atuais da hipodermóclise nos cuidados paliativos e incentive o surgimento de novas pesquisas que visem a melhoria dessa abordagem terapêutica, promovendo assim uma melhor qualidade de vida e um atendimento mais humanizado para esses pacientes.
Diante desse cenário, este estudo tem como objetivo mapear os aspectos de segurança e as complicações relacionadas ao uso da hipodermóclise nos Cuidados Paliativos.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão de escopo desenvolvida a partir das orientações do Instituto Joanna Briggs (JBI), do checklist Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) e do Manual de Diretrizes Metodológicas do Ministério da Saúde(10-12).
Inicialmente, foi realizada uma busca prévia nos bancos de dados do JBI e da Cochrane para investigar se havia outras revisões que investigassem essa temática. Como não foram encontradas, prosseguimos com a elaboração da pergunta de pesquisa que seguiu a estratégia PCC (População, Conceito e Contexto), conforme sugerido pelo protocolo JBI. Dessa forma, foram definidos: “População”- adultos em cuidados paliativos; “Conceito” - aspectos de segurança e as complicações da hipodermóclise e “Contexto”- ambiente de saúde, sendo considerados o domiciliar, ambulatorial ou hospitalar . A partir disso, elegeu-se a seguinte questão norteadora: “Quais os aspectos de segurança e as complicações relacionadas ao uso da hipodermóclise nos Cuidados Paliativos?”
Os critérios de inclusão considerados foram: estudos que evidenciam aspectos sobre segurança ou complicações relacionadas ao uso da hipodermóclise nos cuidados paliativos e que estejam direcionados a população adulta (maiores de 18 anos). Foram excluídos desta revisão estudos focados em outros aspectos da aplicação da hipodermóclise, aqueles fora do contexto dos cuidados paliativos e estudos direcionados a crianças e jovens (menores de 18 anos).
O protocolo da pesquisa foi registrado na Open Science Framework (https://osf.io/) e pode ser verificado pelo registro DOI: 10.17605/OSF.IO/U6MJD.
Esta revisão foi realizada de forma sistemática em três bases de dados. A escolha das bases levou em consideração amplitude, importância para a área da saúde, reputação acadêmica e acessibilidade. Nesse sentido, as bases Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) via PUBMed e Scientific Electronic Library Online (SciELO) foram utilizadas.
As buscas ocorreram em junho de 2024 e foram realizadas por dois pesquisadores independentes, de forma simultânea. Utilizou-se o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), via identificação de Comunidade Acadêmica Federada (CAFe).
Para o levantamento bibliográfico foram empregados descritores em português presentes nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e os seus equivalentes em inglês no Medical Subject Headings (MeSH), sendo eles: “Palliative Care” e “Hypodermoclysis”. Ambos selecionados a partir da questão norteadora da pesquisa e utilizados nas três bases de dados analisadas neste estudo. Posteriormente, esses descritores e as palavras-chaves correspondentes foram combinados entre si com os operadores booleanos AND e OR para compor a expressão de busca, a fim de ampliar a especificidade da busca, conforme apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 - Expressão das buscas nas bases de dados LILACS, MEDLINE e SciELO. Barbalha, Ceará, Brasil, 2025.
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Base de Dados |
Expressão de Busca |
Resultados |
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LILACS |
((palliative care) OR (care, palliative) OR (palliative supportive care) OR (supportive care, palliative) OR (palliative treatment) OR (palliative treatments) OR (treatment, palliative) OR (treatments, palliative) OR (palliative therapy) OR (therapy, palliative) OR (palliative surgery) OR (surgery, palliative)) AND ((hypodermoclysis) OR (subcutaneous fluid administration) OR (administration, subcutaneous fluid) OR (fluid administration, subcutaneous) OR (subcutaneous hydration) OR (hydration, subcutaneous) ) |
25 |
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MEDLINE |
("Palliative Care"[Mesh] OR (Care, Palliative) OR (Palliative Supportive Care) OR (Supportive Care, Palliative) OR (Palliative Treatment) OR (Palliative Treatments) OR (Treatment, Palliative) OR (Treatments, Palliative) OR (Palliative Therapy) OR (Therapy, Palliative) OR (Palliative Surgery) OR (Surgery, Palliative)) AND ("Hypodermoclysis"[Mesh] OR (Subcutaneous Fluid Administration) OR (Administration, Subcutaneous Fluid) OR (Fluid Administration, Subcutaneous) OR (Subcutaneous Hydration) OR (Hydration, Subcutaneous)) |
96 |
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SciELO |
((Palliative Care) OR (Care, Palliative) OR (Palliative Supportive Care) OR (Supportive Care, Palliative) OR (Palliative Treatment) OR (Palliative Treatments) OR (Treatment, Palliative) OR (Treatments, Palliative) OR (Palliative Therapy) OR (Therapy, Palliative) OR (Palliative Surgery) OR (Surgery, Palliative)) AND ((Hypodermoclysis) OR (Subcutaneous Fluid Administration) OR (Administration, Subcutaneous Fluid) OR (Fluid Administration, Subcutaneous) OR (Subcutaneous Hydration) OR (Hydration, Subcutaneous)) |
6 |
Busca realizada em 27/06/2024.
Fonte: Autores, 2025.
Após a busca nas bases de dados, os artigos foram exportados para o Rayyan, um aplicativo gerenciador de referências desenvolvido pelo Qatar Computing Research Institute (QCRI), com a finalidade de auxiliar na seleção da amostra. Para tanto, dois revisores participaram dessa etapa de forma independente, na qual foi realizada a remoção de artigos duplicados, a leitura do título e resumo para triagem dos estudos elegíveis e, finalmente, a seleção dos estudos, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Na sequência, cada revisor analisou o resultado dessa etapa isoladamente e, em caso de divergências, haveria a participação de um terceiro revisor para solucionar.
Os estudos que atenderam aos critérios de inclusão foram analisados, por meio de leitura detalhada na íntegra e deles foram extraídas as seguintes variáveis de estudo, estabelecidas de acordo com as orientações do JBI(10), a saber: título do artigo; país de publicação; periódico; tipo de estudo; população do estudo; segurança e complicações da hipodermóclise e ambiente de saúde (domiciliar, ambulatorial ou hospitalar) onde a hipodermóclise é realizada. Essas informações extraídas dos estudos foram organizadas em uma planilha no Microsoft Excel.
Esta revisão de escopo incluiu os mais variados delineamentos metodológicos relacionados aspectos de segurança e as complicações relacionadas ao uso da hipodermóclise nos Cuidados Paliativos. Diante disso, foram considerados estudos primários, como relato de caso e estudo de coorte; além de estudos secundários, nos quais estão incluídos outras revisões, conforme apresentado no Quadro 2. Além disso, não houve delimitação de idioma e limite de data de publicação.
Para análise dos dados coletados, aplicou-se a metodologia de redução de dados, a partir da leitura crítica e classificação dos resultados em categorias conceituais(13). Diante disso, as informações que respondiam a pergunta de pesquisa foram extraídas e resumidas em quadros, que trazem a descrição dos principais achados. Em seguida, elaborou-se um fluxograma, segundo os critérios da Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMAScR) para a exposição de todo o processo empregado na seleção dos artigos que vieram a compor a amostra final desta revisão(11).
Como esta revisão foi desenvolvida a partir de estudos com acesso de domínio público, não houve a necessidade de submissão do estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa. Contudo, todos os artigos selecionados para a amostra final foram devidamente referenciados, conforme determina a Lei de direitos autorais nº 12853/2013 (14).
RESULTADOS
Durante a busca nas bases de dados foram identificados 127 artigos, desses 25 na LILACS, 6 na SciELO e 96 na PubMed. Após esse processo, os estudos foram importados para o aplicativo Rayyan, a fim de auxiliar na exclusão de estudos duplicados e na seleção da amostra. Com isso, foram excluídos 6 artigos duplicados, correspondendo a 4,7% do total, resultando 121 (95,2%) artigos que foram avaliados com base nos títulos e resumos, através do aplicativo Rayyan, com o objetivo de verificar se respondiam à pergunta norteadora da pesquisa.
Dos 121 artigos selecionados para leitura de título e resumo, 79 deles foram excluídos por não responderem ao objetivo desta pesquisa, o que corresponde a 62,2% da amostra inicial. Dos manuscritos excluídos, 41(32,2%) não abordaram aspectos relacionados à segurança e as complicações da hipodermóclise. Outros 3 (2,3%) artigos analisaram pacientes em cuidados paliativos menores de dezoito anos, que não são estudados nesta revisão. Além disso, 35 (27,5%) estudos foram excluídos por não ter enfoque na hipodermóclise.
Assim, 39 manuscritos foram selecionados para leitura na íntegra, no entanto 6 (4,7%) deles apresentavam apenas o resumo disponível para acesso livre, em virtude disso foram excluídos da amostra. Dessa forma, 33 (25,9%) artigos atenderam aos critérios de elegibilidade e compuseram a amostra final desta revisão, conforme pode ser observado no fluxograma da Figura 1.
Figura 1- Fluxograma de distribuição o quantitativo de artigos identificados, excluídos e incluídos. Barbalha, Ceará, Brasil, 2025.
Fonte: adaptação de PRISMA- ScR.
Os artigos incluídos nesta revisão de escopo foram publicados em periódicos, sobretudo, da área da geriatria, gerontologia, oncologia e cuidados paliativos. Não houve restrição quanto ao período de publicação, sendo que o primeiro foi publicado no ano de 1985 e o último no ano de 2024. Em relação ao país de desenvolvimento dos estudos, houve o predomínio do Brasil com 14 (42,42%), seguido dos Estados Unidos da América com 7 (21,21%), Canadá com 3 (9,09%), Israel com 2 (6,06%), México com 1 (3,03%), Cuba 1 (3,03%), Peru 1 (3,03%), Líbano 1 (3,03%), Arábia Saudita 1 (3,03%), Reino Unido 1 (3,03%) e Netherland com 1 (3,03%).
No que se refere ao tipo de estudo, foram selecionados 12 (36,36%) estudos de revisão, cinco (15,15%) estudos descritivos prospectivos, quatro (12,12%) estudos descritos retrospectivos, quatro (12,12%) estudos observacionais descritivos, quatro (12,12%) ensaios clínicos, um (3,03%) relato de caso, um (3,03%) protocolo e um (3,03%) estudo de coorte. O Quadro 2 descreve as características dos estudos incluídos nesta revisão de escopo.
Quadro 2 - Estudos incluídos na revisão de escopo, segundo título, periódico, tipo de estudo e país de origem. Barbalha, Ceará, Brasil, 2025.
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N |
Título do artigo |
Periódico e Idioma |
Tipo de Estudo |
Ano |
País de Origem |
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E1 |
Eventos adversos da hipodermóclise em pacientes oncológicos sob cuidados paliativos: revisão de escopo |
Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Português e Inglês. |
Revisão de escopo |
2024 |
Brasil |
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E2 |
Factors Associated With the Occurrence of Adverse Effects Resulting From Hypodermoclysis in Older Adults in Palliative Care: A Cohort Study |
Journal of Infusion Nursing Inglês |
Estudo de coorte |
2023 |
Brasil |
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E3 |
Incidência e eventos adversos da hipodermóclise no idoso em cuidados paliativos |
Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro Português |
Estudo do tipo prospectivo longitudinal e de abordagem quantitativa |
2023 |
Brasil |
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E4 |
Pacientes oncológicos sob cuidados paliativos: ocorrências relacionadas à punção venosa e hipodermóclise |
Revista Latino-Americana de Enfermagem Português, Inglês e Espanhol |
Estudo observacional, descritivo e multicêntrico |
2022 |
Brasil |
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E5 |
Cancer patients in Palliative Care: occurrences related to venipuncture and hypodermoclysis |
Revista Latino-Americana de Enfermagem Português, Inglês e Espanhol |
Estudo observacional, descritivo e multicêntrico |
2022 |
Brasil |
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E6 |
Evaluation of efficacy and safety of subcutaneous acetaminophen in geriatrics and palliative care (APAPSUBQ) |
BMC Palliative Care Inglês |
Ensaio clínico |
2022 |
Líbano |
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E7 |
Effectiveness and Safety of Hypodermoclysis Patients With Cancer: A Single-Center Experience From Saudi Arabia |
Cureus: Journal of Medical Science Inglês |
Estudo observacional |
2021 |
Arábia Saudita |
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E8 |
Complicações relacionadas à punção venosa periférica e à hipodermóclise em pacientes oncológicos sob cuidados paliativos. |
Revista Enfermagem da UFSM Português |
Estudo descritivo e longitudinal |
2021 |
Brasil |
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E9 |
Hypodermoclysis as a Strategy for Patients With End-of-life Câncer in Home Care Settings |
American Journal of Hospice and Palliative Medicine Inglês |
Estudo retrospectivo |
2020 |
Brasil |
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E10 |
Subcutaneous hydration and medications infusions (effectiveness, safety, acceptability): A systematic review of systematic reviews. |
Plos One Journal Inglês |
Revisão sistemática |
2020 |
Estados Unidos da América |
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E11 |
Subcutaneous Versus Intravenous Rehydration in Hospitalized Older Adults: A Meta-Analysis |
Journal of Infusion Nursing Inglês |
Revisão sistemática |
2020 |
Estados Unidos da América |
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E12 |
Complicações da via subcutânea na infusão de medicamentos e soluções em cuidados paliativos |
Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste Português |
Estudo observacional, prospectivo |
2019 |
Brasil |
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E13 |
Hipodermóclise em pacientes com câncer em cuidados paliativos |
Revista Enfermagem da UFSM Português |
Estudo transversal descritivo |
2018 |
Brasil |
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E14 |
Subcutaneous Infusion of Fluids for Hydration or Nutrition: A Review |
Journal of Parenteral and Enteral Nutrition Inglês |
Revisão de literatura |
2018 |
Estados Unidos da América |
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E15 |
Benefícios da hipodermóclise na clínica paliativa de pacientes com câncer: relato de caso |
Revista Brasileira de Cancerologia Português |
Relato de caso |
2017 |
Brasil |
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E16 |
Efeitos adversos da hipodermóclise em pacientes adultos: revisão integrativa |
Revista Mineira de Enfermagem Português e Inglês |
Revisão integrativa |
2016 |
Brasil |
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E17 |
Hipodermóclise em pacientes oncológicos sob cuidados paliativos |
Cogitare Enfermagem Português |
Estudo descritivo, quantitativo e prospectivo. |
2013 |
Brasil |
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E18 |
Via subcutânea: segunda opção em cuidados paliativos |
Revista HCPA Português |
Revisão teórica |
2012 |
Brasil |
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E19 |
Hipodermoclisis en pacientes con cáncer terminal |
Revista Cubana de Medicina Espanhol |
Estudo prospectivo. |
2011 |
Cuba |
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E20 |
Uso de la vía subcutánea en cuidados del final de la vida en el Centro Geriátrico Naval |
Revista Horizonte Médico Espanhol |
Estudo descritivo, de caráter retrospectivo |
2011 |
Peru |
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E21 |
Hypodermoclysis: renewed interest in an old technique. |
The Consultant Pharmacist Inglês |
Revisão narrativa |
2010 |
Estados Unidos da América |
|
E22 |
Continuous subcutaneous delivery of medications for home care palliative patients-using an infusion set or a pump? |
Supportive Care in Cancer Inglês |
Ensaio duplo-cego cruzado |
2009 |
Israel |
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E23 |
Hypodermoclysis in the Home and Long-term Care Settings |
Journal of Infusion Nursing Inglês |
Revisão narrativa |
2009 |
Estados Unidos da América |
|
E24 |
La vía subcutánea opción para el paciente terminal cuando se pierde la vía oral |
Revista de enfermería del Instituto Mexicano del Seguro Social Espanhol |
Revisão Narrativa |
2009 |
México |
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E25 |
Terapia subcutânea no câncer avançado |
Ministério da Saúde do Brasil Português |
Protocolo |
2009 |
Brasil |
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E26 |
Initial Experiences with Subcutaneous Recombinant Human Hyaluronidase |
Journal of Palliative Medicine Inglês |
Revisão retrospectiva |
2007 |
Estado Unidos da América |
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E27 |
Hypodermoclysis: an alternative infusion technique. |
American Family Physician Inglês |
Revisão narrativa |
2001 |
Israel |
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E28 |
A randomized controlled trial of local injections of hyaluronidase versus placebo in cancer patients receiving subcutaneous hydration |
Annals of Oncology Inglês |
Ensaio duplo-cego cruzado |
1999 |
Netherland |
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E29 |
Subcutaneous fluid administration- better than the intravenous approach? |
Journal of Hospital Infection Inglês |
Revisão narrativa |
1999 |
Reino Unido |
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E30 |
Volume of hydration in terminal cancer patients. |
Support Care Cancer Inglês |
Estudo retrospectivo |
1996 |
Canadá |
|
E31 |
Comparison of Two Different Concentrations of Hyaluronidase in Patients Receiving One-Hour Infusions of Hypodermoclysis |
Journal of Pain and Symptom Management Inglês |
Ensaio prospectivo duplo-cego cruzado |
1995 |
Canadá |
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E32 |
The Use of Hypodermoclysis for Rehydration in Terminally ill Cancer Patients |
Journal of Pain and Symptom Management Inglês |
Estudo prospectivo aberto |
1994 |
Estados Unidos da América |
|
E33 |
Hypodermoclysis for Symptom Control in Terminal Care |
Canadian Family Physician Inglês |
Revisão narrativa |
1985 |
Canadá |
Fonte: Autores, 2025.
O escopo das evidências científicas sobre os aspectos de segurança e as complicações relacionadas ao uso da hipodermóclise nos cuidados paliativos foi agrupado nas seguintes categorias: Principais usos da hipodermóclise e as suas limitações; Complicações relatadas na administração da via subcutânea; Sítios de punção e técnicas de administração da hipodermóclise mais associados a efeitos adversos; Aspectos de segurança da hipodermóclise comparada a outras vias de administração de fluidos e medicamentos e Benefícios da utilização da hipodermóclise nos Cuidados Paliativos. A síntese da produção científica sobre esse tema está apresentada no Quadro 3.
Quadro 3 - Categorias relacionadas às evidências sobre os aspectos de segurança e as complicações da hipodermóclise em cuidados paliativos. Barbalha, Ceará, Brasil, 2025.
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Principais usos da hipodermóclise e suas suas limitações |
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A via subcutânea é utilizada para a administração de medicamentos, principalmente analgésicos, corticoides e antieméticos e para hidratação dos pacientes(5); Apresenta como limitações a restrição a alguns medicamentos e a inviabilidade de infusão de grandes volumes(15); Os fármacos hidrossolúveis são os mais compatíveis com a via subcutânea, pelo menor risco de efeito cumulativo(16) Os principais fármacos utilizados na via subcutânea em cuidados paliativos são: cetamina, dexametasona, escopolamina, haloperidol, furosemida, metoclopramida, midazolam, morfina, ranitidina, ondansetrona e octreotrida(17); Diazepam, a fenitoína e a clorpromazina são fármacos contraindicados no uso da via subcutânea devido ao risco de necrose tecidual(17). |
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Complicações relatadas na administração da via subcutânea |
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Complicações mais comuns(4,7,18,19) |
Complicações raras(7, 16,17,20) |
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Eritema Edema local Obstrução de cateter Dor local Equimoses Hematoma Abscesso Prurido local
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Falência cardíaca Perfuração intestinal Edema de pulmão Choque circulatório Necrose tecidual Sensação de queimação Sobrecarga de líquidos Alterações nas concentrações plasmáticas e de eletrólitos Farmacodermia Granuloma |
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Sítios de punção e técnicas de administração da hipodermóclise mais associadas a efeitos adversos |
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Sítios de punção mais comuns são região escapular, peitoral e abdominal baixa(21) Estudo analisou 254 punções subcutâneas e das complicações relatadas, edema e hiperemia principalmente, o sítio de punção mais relacionado a esses efeitos adversos foi na região do deltoide(22) Estudos mostram o uso hialuronidase com o objetivo de melhorar a absorção na via subcutânea. Entretanto, edema e irritação local são efeitos adversos associados que podem ocorrer com a sua administração(20,21,23,24,25) O uso da hialuronidase recombinada humana possibilita o aumento da taxa de infusão da via subcutânea sem causar inchaço ou desconforto local, de acordo com estudo americano(26) Diminuição da velocidade de infusão reduz o risco de edema; Foram raras as ocorrências de complicações relacionadas a farmacodermia, granuloma, infiltração, celulite e sangramentos(17); Um estudo mostrou relato de choque após a infusão de soluções hipotônicas e hipertônicas, mudança na concentração de eletrólitos e efeitos colaterais da hialorunidase(7) A rotação do ponto de infusão a cada 3-6 dias em média e diminuição da velocidade de infusão conseguiu diminuir edema e desconfortos locais na população do estudo(27) Soluções com extremos de pH (< 2 ou > 11) apresentam maior risco de efeitos adversos, decorrente de precipitação ou irritação local(19,28); A combinação de fármacos do mesmo grupo, ou antagonistas ou que sofram precipitação ou de fármacos contraindicados, como Clorpromazina, Diazepam e Metamizol, aumenta o risco de ocorrência de complicações(18) Infecções no local podem ser minimizadas com preparação adequada da pele e o curativo da ferida, além da troca do local de infusão a cada 24 horas(2) |
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Aspectos de segurança da hipodermóclise comparada a outras vias de administração de fluidos e medicamentos |
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Estudo comparou a Punção Venosa Profunda (PVP) e a hipodermóclise. Pacientes que fizeram uso da PVP apresentaram como efeitos adversos dor local, extravasamento, cateter dobrado e cateter tracionada, enquanto não houve nenhuma complicação relacionada ao uso da hipodermóclise(29); Medicamentos administrados por via subcutânea e intramuscular apresentam farmacocinética semelhante. No entanto, na via subcutânea o tempo de ação é mais prolongado(28); A comparação entre punções venosa periférica e à hipodermóclise em pacientes oncológicos internados em unidade de cuidados paliativos mostrou que a ocorrência de efeitos adversos relacionadas à hipodermóclise eram mais brandas, com relatos de sinais flogísticos e hematoma no local da punção subcutânea na grande maioria dos casos. As punções endovenosas apresentaram complicações mais graves, desde dor local, a oclusão (cateter obstruído), flebite entre outras complicações(5) A via subcutânea, quando comparada com epidurais e intravenosas de vários opioides, se mostrou equivalentes em eficácia, segurança e aceitabilidade(6) Em relação à hidratação, a via subcutânea e a intravenosa se mostraram igualmente eficazes, com a absorção de fluídos por hipodermóclise sendo considerada completa e comparável à absorção de fluidos intravenoso(30) |
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Benefícios da utilização da hipodermóclise nos Cuidados Paliativos |
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Desconforto doloroso mínimo(15). A infusão poderá ser interrompida após ser iniciada e a qualquer momento, sem o risco de complicação como, por exemplo, a trombose de vaso(28) Risco de complicações sistêmicas, como hiper-hidratação e a sobrecarga cardíaca, pode ser monitorado ao longo da infusão(28) Possibilita a combinação de vários fármacos entre si(18) Esse método pode ser utilizado nos cuidados domiciliares, o que reduz a necessidade de hospitalização(31) |
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Fonte: Autores, 2025.
DISCUSSÃO
A análise dos resultados desta revisão evidencia que a hipodermóclise é uma alternativa segura e eficaz para pacientes em cuidados paliativos, especialmente para aqueles que não toleram a administração de medicamentos por via oral(17). Os estudos destacam a facilidade de aplicação e a possibilidade de utilização em diferentes pontos anatômicos, o que a torna adequada para ambientes domiciliares, proporcionando maior conforto ao paciente(9,32). Essas características tornam a hipodermóclise uma escolha essencial em cuidados paliativos, onde o conforto e a praticidade são prioridades.
No que se refere aos principais usos da técnica, a maioria dos estudos ressalta a utilização da hipodermóclise na hidratação de pacientes em cuidados paliativos, demonstrando inúmeros benefícios quando administrada em pequenos volumes(9,29). Quando comparada a via endovenosa, apresenta eficácia semelhante no tratamento de desidratações leves, com um risco menor de complicações, como a flebite. Além disso, é uma opção segura e eficaz para a administração de medicamentos tolerados por essa via em pacientes que apresentam sintomas como náuseas, vômitos e dificuldades de deglutição, configurando-se como uma alternativa à via oral(15).
Entretanto, destaca-se o número restrito de medicamentos que podem ser administrados de forma segura pela via subcutânea. Os fármacos mais administrados na hipodermóclise incluem analgésicos, especialmente opioides, sendo a morfina o principal representante. Além do uso de corticoides como a dexametasona e antieméticos como metoclopramida e ondansetrona(4,9). Por outro lado, medicamentos como diazepam, fenitoína e clorpromazina são contraindicados devido ao risco de necrose tecidual(16).
Em relação às principais limitações da técnica observadas nos estudos, aponta-se a restrição ao uso de grandes volumes, uma vez que infusões em altas taxas estão associadas a uma maior incidência de eventos adversos. Nesse sentido, recomenda-se uma taxa de infusão de aproximadamente 50 mL/h para o tratamento da desidratação, a fim de minimizar os riscos de complicações(6). Isso limita sua aplicação em casos de desidratação grave ou em situações de emergência(20). Outro fator é a impossibilidade de usar certos medicamentos devido ao risco de necrose, provocada por extremo de pH, osmolaridade e características de solubilidade de algumas formulações(16).
No tocante às complicações mais comuns, as evidências analisadas incluem edema discreto, eritema, dor local, extravasamento, sangramento e hematomas, todas de fácil prevenção e resolução(15,17). É importante ressaltar que as complicações relacionadas à hipodermóclise tendem a ser menos graves, com relatos de sinais flogísticos e hematoma no local da punção subcutânea. Em contrapartida, as ocorrências associadas à via endovenosa costumam ser mais graves, demonstrando que a hipodermóclise é uma técnica menos invasiva e mais tolerável para esses pacientes(27,29,33) .
Ainda sobre as complicações atribuídas à via subcutânea, eventos graves são descritos em poucos trabalhos científicos, estando frequentemente relacionados à técnica usada e à condição de saúde do paciente. Nesse sentido, a escolha ou inserção inadequada do cateter pode causar a perfuração de órgãos situados abaixo do local de infusão. O uso de fármacos incompatíveis com esse método, como diazepam, fenitoína e clorpromazina, pode levar a necrose tecidual.
Adicionalmente, estudos observaram também que a infusão de grande volume é capaz de causar sobrecarga hídrica, resultando em edema pulmonar e falência cardíaca principalmente nos pacientes com comorbidades, como insuficiência renal ou cardíaca(17). Somado a isso, a administração de grande quantidade de fluidos, sem o devido cuidado, aumenta o risco de alterações na concentração hidroeletrolítica corporal. Dessa forma, a capacitação profissional e avaliação das condições clínicas do paciente podem minimizar os riscos de complicações graves.
Sobre os sítios de aplicação, as evidências mostraram que são semelhantes aos utilizados para a insulina e as regiões de preferência podem variar a depender do critério clínico. No contexto ambulatorial e domiciliar, o tórax superior, o abdômen, a região anterolateral da coxa, os braços e a área escapular são os locais mais utilizados. Entretanto, os pesquisadores alertam a respeito da importância de evitar áreas de pele lesada, edemaciadas, que estejam recebendo radioterapia ou em processo de cicatrização, pois aumentam a chance de efeitos adversos(17). Destacam, ainda, a região deltoide como o sítio mais associado a complicações, principalmente edema e hiperemia(22).
A literatura científica revela variações na forma de uso da hipodermóclise, reforçando a importância de adotar boas práticas para reduzir a ocorrência de complicações. Nesse contexto, os cuidados com a assepsia, a escolha e a rotação do local de aplicação são medidas associadas a menor ocorrência de infecções, conforme descrito nos estudos. Outras medidas citadas são o controle da velocidade e do volume de infusão para evitar edemas localizados ou sistêmicos. Além de estar atento às medicações e às condições clínicas do paciente que possam contraindicar a escolha da hipodermóclise como via de administração, a fim de evitar complicações mais graves(17).
Outro aspecto abordado está relacionado ao uso da hialuronidase, enzima mucolítica que reduz a viscosidade intersticial do tecido conjuntivo, o que aumenta a absorção e difusão de fluidos na hipodermóclise. A quantidade da enzima administrada habitualmente é de 150 U/ml para um litro de fluido. Ela é utilizada com o objetivo de facilitar a administração de grandes volumes sobre alta taxa de infusão, além de reduzir o edema e a dor local. No entanto, os estudos observaram que a hialuronidase pode causar reações de hipersensibilidade, sendo recomendada a realização de teste de sensibilidade que, se positivo, contraindica a aplicação do fármaco(20).
Além disso, estudo produzido por Caccialanza et al. (2) afirma que a adição da hialuronidase na rotina da hipodermóclise aumenta a complexidade, o risco de alergias e o custo do procedimento em um contexto que o benefício do uso da enzima não é claro para além da infusão de fluidos em alta taxa. Nesse sentido, de forma geral, os estudos apresentam pontos positivos ao uso da enzima, no entanto, reforçam que deve ser feito com cautela e que mais estudos são necessários sobre esse tópico.
No que concerne ao perfil de segurança, a hipodermóclise se mostrou superior comparada a outras vias de administração de fluidos e medicamentos. Estudos brasileiros desenvolvidos por Lago et al. (29) e Bolela et al. (3) investigaram as principais ocorrências relacionadas à punção venosa e à via subcutânea e observaram que houve poucos registros de efeitos adversos associados à via subcutânea, sendo a maioria dos casos relacionados à hiperemia e edema no sítio de punção.
Ao se analisar a via de administração intravenosa, as evidências científicas mostram que as complicações eram mais presentes e, muitas vezes, de maior gravidade, com relatos evoluindo desde sujidade de sangue na inserção do cateter, obstrução de cateter, dor local até variados graus de flebite. Entretanto, por ser uma técnica ainda pouco conhecida, a hipodermóclise é preterida em relação a outros métodos de uso mais consagrados nos serviços de saúde, a exemplo da via endovenosa.
Quando comparada em relação à eficácia, a via subcutânea se mostrou semelhante a outras vias de infusão observadas nos estudos, como a intramuscular e a intravenosa. A revisão sistemática de Broadhurst et al. (6) analisou a administração subcutânea dos principais analgésicos utilizados nos cuidados paliativos e encontrou forte grau de evidência para uso de morfina, que apresentou eficácia comparável à intravenosa, com menos efeitos colaterais.
Somado a isso, é consenso, entre os artigos analisados, que a hidratação subcutânea mostrou-se eficaz e segura, podendo apresentar menos efeitos adversos, maior facilidade no uso e menor custos quando comparada com a intravenosa. Todavia, nem todos pacientes oncológicos em cuidados paliativos se beneficiam da hidratação vigorosa, seja pela hipodermóclise ou por via endovenosa, visto que estudos questionam a eficácia da hidratação para controle de sintomas e melhora da qualidade de vida de pacientes com câncer avançado em fim de vida(33).
A respeito dos benefícios da hipodermóclise nos cuidados paliativos, os estudos destacam principalmente a melhor aceitabilidade pelo paciente, justificada pela menor ocorrência de complicações associadas a essa técnica. Isso pode ser evidenciado no trabalho de Broadhurst et al. (6), ao observar que a extração de cateter e a agitação associada ao dispositivo foi menor na hipodermóclise, o que explica a maior tolerabilidade à infusão subcutânea, reforçando a melhor adesão do paciente ao método.
Ainda no que se refere aos benefícios da via subcutânea, os estudos incluídos nesta revisão mencionam a possibilidade do seu uso domiciliar, o que proporciona maior conforto para o paciente e contribui para reduzir o tempo de hospitalização. De fato, a comodidade de poder ser administrada em ambiente domiciliar é vantajosa, sobretudo para o controle da dor em pacientes com câncer em estágio avançado, em que esse sintoma está efetivamente presente, sendo um dos principais responsáveis por prolongar a internação hospitalar e, por conseguinte, impactar negativamente a qualidade de vida do paciente(31,34).
As lacunas de conhecimento identificadas nesta revisão referem-se, sobretudo, à predominância de estudos conduzidos no contexto nacional, o que pode restringir a generalização dos resultados para outras realidades, considerando as diferenças culturais, demográficas e estruturais dos sistemas de saúde em distintos países. Além disso, a ausência de ensaios clínicos com desenho metodológico robusto e a escassez de investigações recentes sobre o tema configuram limitações que podem ter impactado tanto a amplitude da amostragem quanto a consistência da análise dos achados.
Aponta-se como uma das limitações desta revisão de escopo o número reduzido de estudos sobre o uso da hipodermóclise em pacientes oncológicos adultos em cuidados paliativos, especialmente de estudos primários sobre o assunto, o que pode ser justificado pelo desconhecimento e, consequentemente, pouca utilização da técnica pelos profissionais de saúde. Destaca-se também a diversidade metodológica dos artigos analisados, o que limitou a possibilidade de comparação dos resultados.
Dessa forma, esta revisão tem o potencial de contribuir para a discussão de um tema relevante para a saúde pública, ao sintetizar as principais evidências científicas sobre os aspectos de segurança e as complicações relacionadas ao uso da hipodermóclise nos cuidados paliativos. Com isso, os autores buscam fomentar o desenvolvimento de novos estudos na área, com a finalidade de possibilitar a criação de protocolos para orientar o uso da técnica de forma segura, a disseminação de conhecimento sobre hipodermóclise e, assim, auxiliar na melhoria da assistência em saúde.
CONCLUSÃO
Os estudos disponíveis sugerem que a hipodermóclise é uma técnica efetiva para a administração de fluidos e fármacos com mínimas complicações no contexto dos cuidados paliativos. Nesse sentido, os efeitos adversos mais comuns são de baixa intensidade, de fácil prevenção e resolução. Em relação às complicações raras, podem ser graves, mas cuidados com a técnica de aplicação, com as medicações e com a condição clínica do paciente são capazes de reduzir significativamente a sua ocorrência.
Ademais, a via subcutânea é considerada mais segura quando comparada com outras formas de administração de medicamentos. A literatura científica indica que a ocorrência de efeitos adversos é pouco frequente e, na maioria dos casos, branda. Oposto a isso, a via intravenosa é mais complexa, com complicações mais frequentes, geralmente mais graves, e mais predisposta a erros de técnica.
Portanto, o mapeamento das evidências disponíveis sobre hipodermóclise nos cuidados paliativos mostrou que o método é eficaz, seguro, com baixo custo, de fácil aplicação e que pode ser realizada em ambiente domiciliar, sendo uma alternativa interessante quando a via oral está indisponível nos pacientes em cuidados paliativos. No entanto, é importante destacar que a heterogeneidade metodológica dos estudos incluídos nesta revisão e a predominância de estudos nacionais são fatores que influenciam a interpretação dos resultados.
Diante do exposto, recomenda-se a realização de estudos adicionais, com elevado nível de evidência científica, que possam subsidiar a elaboração de protocolos clínicos voltados ao uso seguro e eficaz da hipodermóclise nos cuidados paliativos. Tais investigações poderão contribuir significativamente para o aprimoramento da formação profissional e para a qualificação da assistência prestada aos pacientes em cuidados paliativos,reforçando a relevância para a saúde pública.
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Fomento e Agradecimento:
A pesquisa não recebeu financiamento.
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo: Lucileide SS, Marcos LM, Lara LL, Vitória CFR, Ana Maria PGA, Sandra BFS;
2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados: Lucileide SS, Marcos LM, Lara LL, Vitória CFR, Ana Maria PGA, Sandra BFS;
3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada: Lucileide SS, Marcos LM, Lara LL, Vitória CFR, Ana Maria PGA, Sandra BFS.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Rev Enferm Atual In Derme 2026;100(1): e026004
Atribuição CCBY